O adicional de insalubridade, previsto nos artigos 189 a 192 da CLT, foi concebido como mecanismo compensatório ao trabalhador exposto a condições prejudiciais à sua saúde durante a prestação de serviços. A quantificação desse direito, conforme a sistemática consolidada, dá-se tradicionalmente mediante a elaboração de laudo técnico pericial, que, à luz do art. 195 da CLT e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho, classifica o grau de exposição em mínimo, médio ou máximo, a depender da intensidade e natureza dos agentes agressivos presentes no ambiente laboral.
Todavia, no contexto atual das relações de trabalho, que está marcado pela valorização da negociação coletiva como instrumento legítimo de regulação setorial, o que se observa é um deslocamento gradual da centralidade técnico-pericial para o reconhecimento da autonomia privada coletiva, especialmente após a consagração do art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988, que reconhece expressamente a força normativa dos acordos e convenções coletivas.
Nessa toada, surge a discussão sobre a legitimidade de normas coletivas que estabelecem, de forma direta, o grau de insalubridade aplicável a determinada atividade, independentemente da constatação judicial por meio de prova pericial. A jurisprudência tem admitido a validade de tais disposições, desde que ausente qualquer vício de representação sindical, inexistente violação a direitos indisponíveis e respeitados os patamares mínimos de proteção à saúde do trabalhador.
Não há, contudo, unanimidade jurisprudencial quanto à possibilidade de prevalência da norma coletiva sobre o laudo pericial no tocante ao adicional de insalubridade. Enquanto algumas Turmas adotam o entendimento de que tal verba possui natureza de direito indisponível, o que inviabilizaria sua modulação ou supressão por meio de negociação coletiva exigindo, portanto, a indispensabilidade da prova pericial para sua aferição, outras conferem primazia ao instrumento coletivo, reconhecendo-lhe força normativa suficiente para fixar o grau de insalubridade aplicável, com fundamento no art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal e no princípio da adequação setorial negociada, sobretudo após os precedentes firmados no julgamento do Tema 1046 pelo STF.
É justamente nesse ponto que a empresa deve redobrar sua atenção: embora a jurisprudência e a diretriz traçada pelo STF no Tema 1046 reconheçam a validade das normas coletivas que tratam do adicional de insalubridade, não se pode ignorar que ainda subsistem entendimentos divergentes em instâncias inferiores, especialmente em casos em que se alega afronta a direitos indisponíveis.
Ou seja, por mais sólida que pareça a cláusula convencionada, há risco concreto de que sua eficácia seja afastada por interpretação mais conservadora do Judiciário. Assim, não basta apenas celebrar o acordo coletivo e é preciso acompanhar de perto a jurisprudência da região, avaliar os precedentes da Vara em que se litiga e, sempre que possível, construir uma cadeia robusta de documentação técnica e negocial que reforce a validade da cláusula e o contexto setorial que a justifica. Em outras palavras: negociar é importante, mas sustentar a negociação perante o Judiciário é ainda mais.
Porém, por mais que ainda haja divergências, está cada vez mais claro que a prevalência da norma coletiva sobre o laudo pericial não representa qualquer renúncia à proteção da saúde ou da dignidade do trabalhador, mas sim uma expressão legítima do princípio da adequação setorial negociada, que confere densidade prática ao diálogo social e racionalidade às condições pactuadas, respeitados os limites constitucionais e legais mínimos.
Aliás, a lógica subjacente à reforma trabalhista introduzida pela Lei 13.467/2017 reforça essa perspectiva ao estabelecer, no art. 8º, § 3º da CLT, o princípio da intervenção mínima do Judiciário na autonomia da negociação coletiva. Ainda, o art. 611-A da CLT, com a nova redação, estabelece, de forma exemplificativa, matérias em que o negociado prevalecerá sobre o legislado, incluído, no inciso XII, o próprio enquadramento do grau de insalubridade.
A constitucionalidade dessa diretriz foi definitivamente consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 1.121.633, com repercussão geral (Tema 1046), no qual se firmou a tese de que são válidas as normas coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. Tal decisão, proferida em 02 de junho de 2022, consagra a supremacia da vontade coletiva como vetor estruturante das relações de trabalho no Brasil contemporâneo.
Ressalte-se, por fim, que o afastamento da eficácia de cláusula coletiva só pode ocorrer quando houver vício na representação sindical, flagrante desrespeito às normas de ordem pública ou afronta direta a direitos fundamentais assegurados pela Constituição ou por normas internacionais de proteção ao trabalho humano.
Em síntese, embora a jurisprudência e a orientação firmada pelo STF no Tema 1046 reconheçam a legitimidade das normas coletivas que tratam do adicional de insalubridade, inclusive quanto ao enquadramento direto do seu grau, não se pode perder de vista que ainda há interpretações judiciais que, sob a ótica da indisponibilidade do direito, conferem primazia ao laudo pericial.
Nesse contexto, a celebração de acordos e convenções coletivas não deve ser tratada como blindagem automática, mas sim como ponto de partida de uma estratégia mais ampla de conformidade e sustentação probatória. A prevalência da norma coletiva, portanto, não é um cheque em branco: exige cautela, monitoramento jurisprudencial e robustez documental. Trata-se de reconhecer que a negociação coletiva pode, sim, ser instrumento legítimo de regulação do adicional de insalubridade, mas somente será eficaz se acompanhada de diligência técnica e inteligência processual por parte da empresa.
—
O escritório de advocacia Pamplona, Braz & Brusamolin Advogados Associados atua há mais de 50 anos com atendimento para empresas e pessoas físicas em diversas áreas. O escritório está à disposição para esclarecer dúvidas, prestar assessoria e oferecer esclarecimentos sobre o tema mencionado.
Artigo escrito por Beatriz Chami de Almeida Lima, advogada trabalhista do escritório Pamplona, Braz & Brusamolin Advogados Associados
beatriz@pamplonabrazbrusamolin.com.br
linkedin.com/in/beatrizchamidealima
Foto: Freepik.