No competitivo mercado de antecipação de recebíveis, a agilidade na liberação de recursos ao cedente é vital. Mas quando essa pressa compromete a verificação da origem do crédito e a notificação adequada ao sacado, o risco jurídico e financeiro dispara — e a chance de recuperar o valor antecipado pode evaporar.
Entre factorings, securitizadoras e FIDCs, há uma verdade que precisa ser dita: a maior parte das fraudes e frustrações na recuperação de crédito nasce da negligência em duas etapas essenciais — a confirmação da legitimidade da operação e a notificação formal da cessão ao sacado, conforme exige o art. 290 do Código Civil.
Onde mora o erro?
Em nome da confiança ou da pressa, é comum ver operações sendo concluídas sem que se exija nota fiscal, comprovante de entrega, aceite do sacado ou mesmo cópia do contrato (onde pode haver cláusulas anti-cessão). E, mais grave: o contato com o sacado para confirmar o crédito frequentemente é feito via WhatsApp ou e-mail fornecidos pelo próprio cedente — o que abre caminho para fraudes sofisticadas, como o uso de canais falsos ou a interlocução com setores não financeiros, incapazes de validar a operação.
A notificação também costuma ser falha. Muitas vezes feita unilateralmente pelo cedente, sem comprovação formal da cessão ou sem chegar a alguém com poderes dentro da estrutura do sacado, ela se torna ineficaz — e o Judiciário já vem reconhecendo isso.
⚖️ O Judiciário está atento — e exigente
Diversos tribunais já vêm exigindo formalidade e efetividade na notificação da cessão. Não basta o envio de um e-mail genérico, tampouco comunicações sem prova da cessão firmada pelo cedente. Entre os precedentes recentes:
- TJDFT – AI 0735020-39.2023.8.07.0000: rejeição de notificação enviada sem cópia do contrato firmado com o cedente.
- TJPR – Ap. Cív. 1678471-5: reforço à necessidade de envio da notificação para representante da empresa ou colaborador com comprovação de poderes.
- TJSP – Ap. Cív. 1000789-83.2022.8.26.0495: reafirmação de que a notificação enviada para alguém sem poderes é ineficaz.
Sem prova inequívoca da notificação válida, a cessionária pode perder o direito ao crédito e ainda responder por danos morais se houver protesto indevido.
Solução: rotinas jurídicas preventivas
Evitar esses riscos não exige revolução, mas procedimentos padronizados, validados por equipe jurídica especializada:
- Confirmar a transação com o sacado via canais institucionais confiáveis, não os informados pelo cedente.
- Registrar e guardar toda a comunicação realizada com o sacado.
- Garantir que a notificação de cessão venha acompanhada de documentação comprobatória da transferência, com assinatura do cedente.
- Evitar operações “comissárias” que dispensam notificação ao sacado, a menos que devidamente garantidas.
Prevenir custa menos do que reparar
É muito mais barato (e estratégico) investir em análise jurídica na originação da operação e estabelecer rotinas procedimentais adequadas do que correr atrás de um prejuízo irreversível mais tarde.
A profissionalização dessas rotinas é essencial. E num cenário de aumento das fraudes e judicializações, ela pode ser o diferencial entre um FIDC saudável e um portfólio comprometido.
Na dúvida entre liberar rápido ou conferir direito, escolha sempre o segundo. O risco está onde menos se espera: no contato que parece inofensivo, mas invalida toda a operação.
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O escritório de advocacia Pamplona, Braz & Brusamolin Advogados Associados atua há mais de 50 anos com atendimento para empresas e pessoas físicas em diversas áreas. O escritório está à disposição para esclarecer dúvidas, prestar assessoria e oferecer esclarecimentos sobre o tema mencionado.
Artigo escrito por André Ricardo Brusamolin, advogado do escritório Pamplona, Braz & Brusamolin Advogados Associados.
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