A liberdade de consciência e crença, comumente chamada de “religiosa”, é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal brasileira em seu artigo 5º, inciso VI.
A referida determinação assegura a todos o livre exercício de crença e dos cultos religiosos, bem como a proteção aos locais de culto e suas liturgias. De maneira interpretativa, o artigo é utilizado contra discriminação em razão de convicções religiosas em geral.
No ambiente de trabalho essa liberdade assume contornos específicos, exigindo das empresas uma postura atenta, respeitosa e equilibrada, capaz de conciliar a pluralidade de crenças dos colaboradores com a necessidade de manter a ordem, a produtividade e a harmonia no local de trabalho.
Embora o direito seja garantido, a liberdade religiosa não é absoluta no contexto empresarial. O empregador pode estabelecer regras que assegurem a ordem, segurança e eficiência, desde que essas normas sejam razoáveis e não discriminatórias. Ou seja, o trabalhador tem o direito de manifestar suas crenças no ambiente profissional, desde que essa manifestação não interfira nas atividades da empresa ou prejudique colegas.
A expressão pode ocorrer por meio de vestimentas, acessórios, celebrações religiosas e observância de datas específicas, sempre respeitando as normas internas e o bom convívio coletivo, porém, pode haver restrições ao uso de símbolos religiosos que comprometam a segurança ou higiene do trabalho, por exemplo.
Empresas que promovem políticas claras de respeito à diversidade religiosa tendem a fortalecer a cultura organizacional e evitar conflitos internos. Treinamentos e campanhas de sensibilização são instrumentos eficazes para esclarecer direitos e deveres, prevenindo práticas discriminatórias e promovendo um ambiente de trabalho harmonioso e produtivo.
Um exemplo recente e emblemático sobre o tema é o julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, do Paraná, em 04.06.2025, que tratou da rescisão indireta de contrato por intolerância religiosa.
No caso, a empregadora foi condenada por omissão na prevenção e repressão de práticas discriminatórias contra uma trabalhadora praticante do candomblé, que sofreu deboche, isolamento e ameaças reiteradas por parte de colegas. A supervisão da empresa foi acionada, porém as medidas foram ineficazes, sem apuração formal ou punição dos responsáveis, configurando falha grave do empregador:
DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. RESCISÃO INDIRETA. INTOLERÂNCIA RELIGIOSA. OMISSÃO DO EMPREGADOR NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO DE PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame recurso ordinário interposto por empregadora contra sentença na qual se reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho da reclamante, com fundamento na prática de falta grave, consistente na omissão da empresa em coibir atos de intolerância religiosa no ambiente laboral, em violação à dignidade da trabalhadora e ao dever de proteção. A recorrente sustenta inexistência de falta grave, alegando ausência de prova robusta e apontando que adotava medidas para a promoção de ambiente saudável.
Ii. Questão em discussão a questão em discussão consiste em definir se restou configurada falta grave do empregador, nos termos do art. 483, “e”, da clt, a justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho da autora, em razão de prática discriminatória e omissão no dever de manter ambiente de trabalho hígido.
Iii. Razões de decidir a rescisão indireta do contrato de trabalho pressupõe a prática de falta grave pelo empregador, apta a tornar insuportável a manutenção do vínculo, exigindo prova cabal de sua ocorrência. A prova oral colhida evidenciou que a autora era alvo de deboche, isolamento e ameaças por parte de colegas de trabalho em razão de sua religião (candomblé), práticas estas reiteradas e não coibidas efetivamente pela empregadora. Embora a supervisão tenha sido acionada, a testemunha relatou que as providências foram ineficazes, inexistindo registros de apuração formal dos fatos ou aplicação de punições aos responsáveis, o que caracteriza omissão do empregador em seu dever legal de proteção. A conduta patronal, ao tolerar ambiente de discriminação religiosa, violou o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental ao livre exercício da crença, configurando falta grave nos termos do art. 483, “e”, da clt. A alegação de ausência de prova cabal não prospera, pois a testemunha convidada pela própria reclamante foi categórica ao narrar os fatos, e a reclamada não produziu prova apta a infirmar tais relatos.
Iv. Dispositivo e tese recurso desprovido. Tese de julgamento: A prática de atos de intolerância religiosa no ambiente de trabalho, sem efetiva repressão por parte do empregador, configura falta grave apta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, “e”, da clt. O empregador tem o dever de adotar medidas eficazes para assegurar ambiente de trabalho saudável, livre de discriminação e de violação de direitos fundamentais. A ausência de apuração formal e punição dos responsáveis caracteriza omissão patronal e autoriza a rescisão indireta com pagamento das verbas rescisórias devidas.
Dispositivos relevantes citados: Cf, arts. 5º, incisos ii, liv, lv e vi; clt, arts. 483, “e”, e 818, i; CPC, art. 373, i. (TRT 9ª R.; RORSum 0000800-93.2024.5.09.0007; Sexta Turma; Relª Desª Odete Grasselli; Julg. 04/06/2025)
A decisão reforça a relevância da atuação ativa da empresa na orientação de seus colaboradores quanto ao respeito à diversidade religiosa, bem como na adoção de medidas disciplinares eficazes diante de condutas discriminatórias.
É indispensável que o empregador atue de forma imediata e concreta diante de qualquer manifestação de intolerância. Conforme é possível verificar, a omissão na repressão a essas práticas configura falta grave nos termos do art. 483, “e”, da CLT, legitimando a rescisão indireta do contrato de trabalho, o que gera passivos trabalhistas significativos à empresa.
Pode-se concluir, portanto, que a liberdade religiosa no trabalho é um direito inegociável, que exige das empresas equilíbrio, planejamento e ações concretas para garantir um ambiente plural e respeitoso. É mister, portanto, adotar políticas claras de inclusão, capacitar gestores e promover o diálogo. Tais medidas estratégicas, além de proteger direitos fundamentais, fortalecem a cultura organizacional, aumentam a produtividade e consolidam a reputação corporativa.
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Artigo escrito por Beatriz Chami de Almeida Lima, advogada trabalhista do escritório Pamplona, Braz & Brusamolin Advogados Associados.
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